Livro compara negócios do tráfico de drogas com empresas tradicionais

O jornalista Tom Wainwright, da “The Economist”, foi o correspondente da revista no México, um dos países que mais sofrem com a violência relacionada ao tráfico de drogas.

Produzir, armazenar, transportar e vender substâncias ilícitas é um negócio que envolve conflitos entre competidores, como qualquer outro. Porém não existem instâncias legítimas para resolver desentendimentos nesse segmento.

Fonte: Folha de São Paulo

No livro “Narconomics”,(PublicAffairs, vendido por R$ 63,50 na Amazon), Wainwright descreve as maneiras –quase todas violentas– pelas quais essa competição é organizada. Veja alguns exemplos nesta página.

CONCENTRAÇÃO DE MERCADO

Em um dos capítulos da guerra contra as drogas, nos anos 1980, houve uma tentativa de acabar com o negócio já no nascedouro, ou seja, na plantação. A tática foi jogar veneno de aviões.

A ideia era diminuir a oferta de cocaína para elevar o preço final, e, desse jeito, desencorajar o consumo. Deu errado. O valor da droga nos centros consumidores mal se mexeu.

A explicação do fracasso está na concentração de mercado.

Os cartéis que compram a produção de coca são oligopsônios (são poucos compradores para muitos vendedores). Eles conseguem forçar os agricultores a aceitar pouco dinheiro pela produção.

No livro, compara-se a posição de mercado dos cartéis à do Walmart, que aperta as margens dos fornecedores a um mínimo.

O valor das folhas de coca é tão insignificante para o preço final que, mesmo se ele dobrar, o aumento na ponta será de menos de 1%.

ALIANÇAS

Duas gangues controlam as drogas em El Salvador: Mara Salvatrucha e Barrio 18. Juntas, somam cerca de 70 mil pessoas sob seus comandos.

Em 2012, elas fizeram um acordo que incluiu um cessar fogo e uma divisão de território entre as duas. Em termos financeiros, o acerto foi bom. Sem precisar competir, elas conseguem impor os preços aos consumidores no mercado interno.

Esse tipo de pacto, no entanto, não pode ser replicado sempre. Uma das regiões mexicanas com os maiores índices de violência ligada ao narcotráfico, Ciudad Juarez, funciona como um canal para distribuir drogas aos Estados Unidos, e isso não pode ser dividido.

O grupo que tradicionalmente controlava a movimentação de cocaína na região começou a perder força no fim dos anos 1990, e um rival, Joaquín Guzman, também conhecido como El Chapo, surgiu.

O problema para ele é que a gangue rival já tinha apoio dos policiais corruptos locais.

A solução foi apelar para os agentes corrompidos de um outro órgão, a polícia federal mexicana.

A tática tem precedentes entre os negócios legítimos. Em 2000, a GE adquiriu uma rival chamada Honeywell. Nos EUA, o acordo foi aceito. Mas os concorrentes da GE, insatisfeitos com a decisão norte-americana, apelaram para uma outra instância de poder, o órgão de direito econômico da União Europeia, que mandou desfazer a compra.

DIVERSIFICAÇÃO

Os cartéis mexicanos enfrentam uma situação inédita. o consumo de cocaína nos EUA caiu sem que haja muita explicação (na Europa, está em alta).

O mercado de maconha mudou com a legalização no Colorado e em Washington –hoje, há tráfico ilegal desses Estados para os outros, e a droga produzida nos EUA tem maior concentração de canabinóides, portanto é menos volumosa e mais fácil de transportar.

As dificuldades de acesso forçaram os criminosos mexicanos a pensar em uma alternativa para diversificar os negócios.

Como eles já tinham expertise em atravessar a fronteira, passaram a atuar como coiotes.

Levar um grupo de pessoas para um outro país de maneira ilegal, no entanto, não é a mesma coisa –elas fazem barulho, têm necessidades.

Diversificar, uma estratégia tradicional nos mercados legalizados, nem sempre dá certo. A Coca Cola produziu vinho nos anos 1970, mas os clientes viraram a cara, e o negócio foi enterrado.

FRANCHISING

Os Zetas são uma gangue mexicana que, originalmente, fazia segurança para cartéis.

Eles se transformaram em um grupo paramilitar a partir de 2010. O grupo se expandiu pelo país e atravessou fronteiras para vizinhos ao sul do México.

O crescimento foi por meio de franquias.

Representantes dos Zetas vão a novos locais em busca de criminosos com potencial. Eles dão treinamento e, em alguns casos, armas. Os franqueados, que pagam royalties, também ganham o direito de usar o nome do grupo, que é uma maneira de amedrontar mais na hora de extorquir.

Essa maneira de gerenciar os negócios é especialmente violenta: os Zetas precisam ter a reputação de agressivos para que haja franqueados interessados –é uma espécie de proteção de marca.

RECURSOS HUMANOS

Na América Latina, as pessoas que trabalham para cartéis têm dedicação exclusiva. As prisões funcionam como campo de recrutamento, e há uma certa fidelidade ao empregador.

Mas na Europa não acontece do mesmo jeito. Lá, as relações de trabalho são por empreitada.

Um organizador que quer trazer drogas para uma cidade para distribuí-las posteriormente procura free lancers que aceitem o risco.

O problema é a qualidade dessa mão de obra. Frequentemente esses autônomos fazem bobagens primárias.

“Ineptidão é frequentemente a causa da queda de traficantes. A incompatibilidade entre os altos lucros e a baixa capacidade dos empregados demonstra um dos maiores problemas que um cartel de drogas enfrenta: recursos humanos”.

INOVAÇÃO

Drogas sintéticas são um mercado cinzento em expansão.

Essa indústria funciona da seguinte forma: os produtores criam um novo comprimido. Como se trata de uma fórmula que não existia, não é proibida. As autoridades demoram um tempo para banir o produto. Quando isso acontece, uma iteração do comprimido já foi desenvolvida.

Essas drogas legais seguem algumas regras específicas. Uma delas é que a comercialização não pode ressaltar os efeitos que elas causam. E muitos consumidores compram sem saber ao certo o risco que assume –algo que acontece menos com os produtos tradicionais.

O desenvolvimento de pílulas com fórmulas químicas que se renovam incessantemente começou em um país onde não havia acesso às drogas tradicionais: a Nova Zelândia.

Por estar fora de rotas importantes, a ilha ficou sem as substâncias que grande parte do mundo usa. Desse jeito, inventou seus próprios produtos.