Introdução à Ayahuasca: Parte II [Portas da Percepção Ed. 238#]

por Fernando Beserra
Leia a PARTE 1

Para continuar nossa conversa sobre a Ayahuasca, que já sabemos que podemos chamar de diversos nomes distintos, iremos iniciar hoje com os principais aditivos que foram utilizados tradicionalmente para produção deste poderoso enteógeno. Jonathan Ott divide estas plantas adicionais em seis grupos. Para começar, talvez o mais importante deles seja, surpreendentemente, o tabaco.

O tabaco é constantemente tratado simplesmente como uma substância estimulante, no entanto, é patente seu uso em sociedades tradicionais e mesmo em cultos contemporâneos como substância que leva a uma passagem de um túnel-realidade consensual, partilhado, para uma realidade vivida como espiritual. Evidentemente que temos que começar observando que não eram os cigarros da Souza Cruz que eram utilizados pelos povos tradicionais, mas especialmente duas plantas: a Nicotiana rustica e a Nicotiana tabacum. Os Shuar, p.ex, bebiam suco de tabaco alternando com a ingestão de ayahuasca (OTT, 2006). Os índios campa chupam ambil, um preparado comestível a base de tabaco, depois de beber ayahuasca e ingerem ambil juntamente com ayahuasca e coca. Os xamãs da tribo piro bebem ayahuasca seguida de suco de tabaco e os índios cocama bebem o suco de tabaco em combinação com a ayahuasca durante a iniciação dos jovens xamãs. Diversos usos são encontrados entre tabaco e o Banisteriopsis caapi, inclusive em conjunto com a coca (Erythroxylum coca) não sendo os campa um caso isolado. Os omagua, p.ex, tomam tabaco em combinação com ayahuasca e paricá. (Virola). É importante lembrar que nas referências ao Jonathan Ott, a ayahuasca é com constância uma menção não ao preparado utilizado nos dias atuais, mas principalmente um sinônimo para o Banisteriopsis caapi.

Ott (2006) ainda reforça a importância do estudo etnobotânico de J.Wilbert: “Tobacco and Shamanism in South America“ em Schultes e Raffauf: “Psychoactive Plants of the World”, acerca do uso xamanico do tabaco – para quem tiver interesse em se aprofundar fica a dica. Com base neste pesquisador Ott (2006, p. 208) diz com propriedade:

Em geral não é muito valorizada a potência visionária do tabaco puro sem adulteração, a diferença dos produtos débeis e degenerados que se encontram atualmente no comércio. Certamente é necessário investigar mais profundamente este aditivo da ayahuasca.

Segue falando que o tabaco é a droga xamâinica fundamental da cosmovisão do xamã nas Américas.

Outro importante aditivo à ayahuasca (B.caapi) nas Américas foi o Huanto, mais conhecido como Brugmansia, que pertence a família das solanáceas. É no Equador onde são conhecidas com o nome de Huanto, Huantac ou Huanduj. Na Amazonia os índios sharanahua, ingano e siona reúnem folhas de Brugmansia suaveolens à ayahuasca. É bastante conhecido também o uso de alucinógenos tropanicos como Brugmansia, Datura, etc., em tribos americanas, notadamente sem o uso conjunto à ayahuasca. Ainda é pouco conhecido, segundo Ott, os efeitos da interação entre beta carbolinas e alcaloides tropânicos.

As pesquisas sobre tabaco e alucinógenos triptamínicos nos levam a questionar a visão de algumas pessoas que acreditam que na Europa o consumo de alucinógenos em contraposição a psiquedélicos indóis como os com psilocibina, mescalina, LSA, etc., se deve a presença pobre de alcaloides visionários na Europa. Certamente são necessárias outras considerações para entender este complexo fenômeno, isto é, mesmo com enteógenos com menos risco em mãos, ainda assim xamãs lançaram mãos recorrentemente a produtos com mais riscos.

Na próxima edição desta série sobre a ayahuasca fecharemos os outros aditivos utilizados como o guaraná e pretendo que entremos em outras questões como a regulamentação do uso religioso da ayahuasca no Brasil.

Até lá e sintam-se a vontade para fazer perguntas, comentar, discordar, discutir ou mesmo pedir para que sejam levantados pontos deste debate!