Especialistas desmentem suposta 1ª morte por overdose de maconha

Um relato de caso sobre a convulsão e morte de um bebê de 11 meses após ser exposto à maconha levou a manchetes sobre “a primeira morte por overdose de maconha”.

Mas não foi isso que os médicos quiseram dizer.

Fonte: Folha

“Não estamos de maneira alguma dizendo que a maconha matou essa criança”, disse Thomas Nappe, um dos autores do relato e hoje diretor de toxicologia médica na St Luke’s University Health Network, em Bethlehem, Pensilvânia.

Nappe, que escreveu o relato de caso em conjunto com Christopher Hoyte, explicou que os médicos simplesmente observaram essa sequência de fatos incomum, a documentaram e alertaram a comunidade médica de que vale a pena estudar uma possível relação entre Cannabis e a causa de morte da criança, miocardite, ou inflamação do músculo cardíaco.

As observações de Nappe e Hoyte saíram na edição de agosto do periódico “Clinical Practice and Cases in Emergency Medicine” como um relato de caso, algo que difere muito de um estudo científico ou relatório de pesquisa, que pode ser usado para determinar uma relação causal.

Um porta-voz da Denver Health escreveu em e-mail que Hoyte não estaria disponível para ser entrevistado na noite de quinta-feira. Mas na sexta-feira ele disse à “The Cannabist”: “Não estamos dizendo definitivamente que tenha sido a maconha que provocou a miocardite. Estamos dizendo apenas que não descobrimos outras razões. Portanto, precisamos estudar mais esse caso.”

O relato de caso diz que a criança vivia “em situação instável, morando em motéis” e que seus pais admitiram posse de drogas, incluindo maconha. Nappe disse que os autores aconselham os pais a ficar atentos e deixar maconha fora do alcance das crianças.

O relatório recomenda: “Nos Estados em que a maconha é legalizada, é importante que os médicos não apenas orientem os pais a impedir a exposição de crianças à maconha mas que também considerem a possibilidade de toxicidade de Cannabis em casos inexplicados de miocardite pediátrica e morte cardíaca, como base para pedir exames de urina para averiguar a presença da droga”.

Os autores acrescentaram: “No momento em que isto é escrito, esta é a primeira morte pediátrica informada a ser associada à exposição à maconha”.

Nappe enfatizou que a palavra “associada” não deve ser interpretada como indicativo de causa e efeito.

Especialistas em saúde e política de drogas também aconselharam que não se deve atribuir importância excessiva ao relato de caso.

“Não se pode fazer afirmações como essas, porque então o que vai acontecer é que pessoas leigas vão dizer ‘meu Deus, você ouviu falar da criança que morreu intoxicada por maconha?’, e isso poderá ser sensacionalizado”, disse Noah Kaufman, médico de emergências do norte do Colocado.

“Isso não tem base na realidade. É baseado em alguém ter se apressado e chegado a uma conclusão precoce. Cientificamente falando, não se pode fazer isso.”

Mas foi o que aconteceu em relatos anteriores na mídia, para a consternação de Nappe. Ao ouvir que Nappe e Hoyte não afirmaram que a criança morreu devido à maconha, Kaufman comentou que “isso é mais responsável”.

Jonathan Caulkins, professor do Heinz College da universidade Carnegie Mellon, disse que não lhe parece impossível que a morte descrita no relato de caso tenha sido ligada à maconha.

“Não há dúvida de que a maconha pode acelerar o coração”, disse Caulkins, que não é médico, mas estuda a política e os mercados de drogas. Ele também concordou que os pais devem manter a maconha fora do alcance de seus filhos.

Segundo a mais recente Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde, milhões de americanos consomem maconha regularmente. O pesquisador de tratamentos de dependência Keith Humphreys disse que consumo de maconha não possui “virtualmente nenhum” risco de morte.

A Drug Enforcement Administration (o órgão dos EUA responsável pelo controle e combate às drogas) diz que não há casos informados de morte por overdose de maconha.

Mesmo se estudos adicionais constatassem que a morte da criança foi de fato provocada por uma overdose de maconha, isso seria “um evento muito incomum”, disse Humphreys, professor de psiquiatria da Stanford University e assessor sênior de políticas públicas do escritório da Casa Branca para a Política de Controle de Drogas durante a administração Obama.

“Não seria correto partir desse caso para semear um pânico generalizado sobre a letalidade da maconha. Isso simplesmente não existe”, disse Humphreys.

“O que aconteceu não é presságio de um desastre que esteja por vir.”