Entrevista com a Miss Marijuana 2014: “pseudo empoderamento das mulheres”?

Hoje no ConverSativa vamos falar com a Juliana, vencedora do Miss Marijuana 2014. Vale a pena ler e se aprofundar na opinião dela sobre o machismo no concurso. Ela conta a impressão dela sobre a disputa, sobre a votação e os sentimentos que teve durante o Miss. Leia, reflita e não deixe de dar sua opinião. Nesse momento a vencedora do concurso está no Uruguai, de marola… enquanto isso nos resta pensar bastante sobre as denúncias de machismo: é culpa do Hempadão o machismo que existe no público frequentador da internet? Mesmo o concurso não exigindo qualquer tipo de traje de exposição do corpo?

Será que o Miss Marijuana não ajuda em nada na luta das mulheres pelo empoderamento de seus corpos e costumes? Centenas de mulheres dando as caras contra o proibicionismo não é uma militância válida? O ano todo as mulheres mandam na caixa de e-mail do Hempa perguntando quando será lançado o próximo concurso. As mais interessadas na realização do Miss são as mulheres, não os homens. Culpar o Miss por possíveis abusos masculinos não seria como culpar a minisaia pelo estupro?!  Participa quem quer, quem tem vontade de se expor, militar e competir. Ju… parabéns pelo seu título! Você não venceu por causa doença, mas sim por causa da sua beleza, força e coragem! Você é linda, disputou com outras participantes lindas e ganhou lindamente.

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1) Como foi vencer o Miss Marijuana 2014?
É maluco, estou super feliz por estar arrumando as malas, foi lindo ver minha família apoiando, tirar onda de ser miss (e miss maconha!), mas a disputa foi cruel, as etapas foram intermináveis e não sei se estou contribuindo com a causa ou fazendo algo inútil que somente alimenta meu ego, mas nesse momento estar com meu ego la nas alturas é também permanecer viva.

Reconheço a movimentação super positiva nesta edição que participei. Repercutiu bem aceito num grupo de pessoas que as vezes não conseguimos falar facilmente, os caretas. Pudemos compartilhar sem receio… “vejam só a menina, que estuda, trabalha , usa maconha contra o câncer ….”

Num concurso de miss que diz no regulamento não se tratar de beleza, ficou claro em todas discussões que não ganhei por ser bonita, mas porque tinha uma doença. Acho difícil explicar a sensação de não ser bonita. Obvio que beleza é um conceito muito particular (o que eu acho belo, não necessariamente é o que você acha belo), mas inegavelmente existe uma imposição há séculos de padrões que influencia a escolha da garota Miss Marijuana.

O próprio logo do concurso não me representa…. O imaginário de uma mulher é cabelos longos esvoaçantes?  Mas lógico que não dá para representar todo tipo de mulher.  Então como pode alguém ganhar como se representasse a mulher maconheira do Brasil? Eu represento quem? as mulheres com câncer que me expulsaram de um grupo quando gritei  que maconha cura câncer? As mulheres da luta que fizeram um manifesto de repudio contra o miss? As mulheres que gostam de sensualizar quando não me expus sensualizando? Tudo isso é uma grande ilusão e nos confunde, talvez até nos distancie.

Me senti uma adolescente e acreditei que podia mudar o mundo, depois acordei e percebi que é uma luta muito grande, que precisa de forte enfrentamento, incansável persistência e todos, na rua, no congresso, nos hospitais, nas universidades…. precisa de mais, sempre mais.

2) Está de malas prontas!? O que espera da viagem para o Uruguai?
Ahaahaha,será que devo levar a faixa de cânhamo na bagagem de mão ?
Apesar da ampla utilização da maconha, eu sempre procuro casos semelhantes ao meu. Espero encontrar usuários que se beneficiam da cannabis em seus tratamentos, agregar e multiplicar as experiências para que haja confiança do uso.
Recebi algumas indicações de cultivadores e clubes, espero compreender como a regulamentação funciona fora do papel.
Estrangeiros recebem autorização para o consumo recreativo no Uruguai somente após comprovados 90 dias de estadia, ou seja…

3) Quem foi o felizardo que vai te acompanhar nessa aventura?
Durante meu tratamento fiquei algumas vezes sem condições físicas e/ou psicológicas de ir ao encontro de traficantes para comprar minha medicina, então a pessoa que irá me acompanhar na viagem será quem fazia esse corre para eu ficar bem, sempre fazíamos um ritual antes de ascender, uma parada espiritual mesmo, pedindo a cura, é a pessoa que estava comigo no hospital em 8 das 12 sessões de quimioterapia que fiz.

4) É verdade que apesar de vestir a faixa de Miss Marijuana com orgulho, você tem críticas quanto determinados aspectos de machismo no concurso? Fale um pouco sobre isso…
Me pergunto se vale mesmo arriscar essa incontrolável perversão machista para talvez conseguir passar uma mensagem sobre a importância da maconha e projetar um pseudo empoderamento as mulheres.

Já faz um tempo e as pessoas que acompanham o site acabam esquecendo, mas  esse concurso foi foda… Nem com uma apelação da doença câncer a disputa foi fácil, venci mesmo por existir uma alma generosa e iluminada que fez o milagre da multiplicação em um dos meios de votação. Venci pois a minha principal concorrente, sentiu algum tipo de chamado  dentro dela, entrou em contato comigo e desistiu de fazer campanha para angariar votos, campanha que exaltava suas curvas ”perfeitas”, curvas essas que eu nem tenho mais, meu peito direito foi amputado por causa do câncer.

Podem imaginar como me sentia enquanto analisava a progressão de votos a ela sempre que publicava uma foto sensual e recebia dezenas de likes? Enquanto eu ficava para trás lembrava que não conseguiria reproduzir o que ela tinha a ofertar aos eleitores canabicos sedentos por disputa e olhando as mulheres como um objeto para seu consumo.

Esses muitos votos que ela conseguia com sua liberdade de uso do corpo, fazem sim parte de uma manada machista, que ninguém consegue controlar.  Todo mundo viu.

Eu não a culpo por ser linda mesmo, povoando o imaginário pornográfico masculino, uma menina esforçadíssima que trampa muito, ama muito, que segue o hempa há anos e espera o concurso acontecer. Que culpa ela tem de curtir o próprio corpo?  de querer representar a maconha? Ser modelo?  De querer ser miss? Eu não a culpo…. Também sonhei em ser modelo, paquita da xuxa, mas la no fundo eu sabia que não estava nos padrões, jamais seria….. então mudei os sonhos. Ela está nos padrões, então Pam, desejo de verdade te ver na TV, revistas e onde quer que você sonhe em chegar fazendo muito sucesso, consciente e com essa coragem de ser mulher maconheira.

Mas nos duas concordamos que o concurso foi uma loucura, nos deixou com sentimentos horríveis, sentimos o machismo bem forte, em cada comentario, cada curtida, discursos de ódio a mim e a ela, sem sentido. As outras meninas que se inscreveram sentiram o que nessa disputa? É cruel.

Por sorte eu tenho algum tipo de amor próprio bem incrível, amigos que me enchem a bola e desconhecidos que me elevam a auto estima. Mas mulheres morrem por causa de concursos como esse, por padronizações, por machismo que finge ser normal, por nos sentirmos loucas e exageradas.

Estamos rodeadas de gente bizarra, estupradores que estudam ciências sociais e marcham ao nosso lado. Insistir em expor mulheres  mesmo  com a idéia de que não é um concurso de beleza, é no mínimo ingenuidade. Entendo que as meninas que tomam coragem de se expor, ficam vulneráveis a receberem dos caras declarações sexualizadas e ofensivas, entram num dialogo que não agrega nada para a regulamentação da erva. Me inscrevi talvez sem pensar, queria ser miss quando em condições normais jamais seria, uma vontade capital de ir ao Uruguai sem precisar trabalhar muito o ano todo para isso, mas principalmente uma vontade de ter voz para falar com os pacientes de câncer e a comunidade que discorda da regulamentação, a fim de que observem quem são os usuários e o quanto há riscos enquanto a maconha estiver na mão do trafico, lembrar das mulheres que vão se envolver no trafico de qualquer maneira (segundo dados de 2010 das quase 52 mil mulheres presas cerca de 65% destas, por trafico).

Acontece que existem mulheres com voz e atuação importante, em grande ou pequena escala na questão maconha e sem participar de julgamentos ou concursos assim, podemos então nessas nos inspirar . Vamos valorizar essas mulheres e descobrir como nos aproximar e somar.

Sinto muito ver o patriarcado desabrochando para todos os lados, quando leio essas discussões me sinto péssima, pois não quero ser usada como desculpa para não ser um concurso machista.

Sempre vi o hempadao como um importante veiculo de humor e claro que de informação da cultura canabica, o slogan “laricas da informação” cabe exatamente para meu caso. Polemico e aberto, estamos aqui novamente nesse debate que não vai se esgotar.Sou miss maconha agora, vou vestir a faixa e ir pra rua. Fiquei feliz com apoio de gente que sou fã, pessoas de extrema ação dentro do movimento pró cannabis.  O desabafo é para que a gente olhe pra si, para que as minas encontrem o feminismo e estejam conscientes das escolhas, que os homens elevem suas percepções e se despreendam desses pensamentos  que isso é mimimi. Não é.

Lógico que é fácil falar agora que estou curtindo minha premiação no Uruguai, mas precisamos repensar se isso tudo vale a pena, quais as outras alternativas para empoderar mulheres e movimentar comercialmente o site?
Que e as discórdias não sejam maiores que nossos propósitos.

5) Vamos falar um pouco mais sobre você: diga quais seus sonhos e principais militâncias…
Além dos sonhos típicos de miss como paz mundial e fim de privilégios e abusos de classes, gêneros e etnias, meu sonho agora está bem individualista, sonho em receber alta medica e ainda não tenho previsão disso.
Minha principal militância sempre foi ambiental, intimamente ligada com social.
Sinto vergonha da maconha não ter sido minha grande bandeira enquanto eu não precisava dela medicinalmente. O sistema quer isso mesmo, que você deixe a recreação em terceiro plano. O que te faz feliz, o que você gosta de fazer deve ser prioridade então lute por isso já, não espere precisar, não deixa o sistema te enganar.

6) Como foi o processo de uso da maconha medicinal no seu caso? Ela ainda te auxilia, de que maneiras?
Quando descobri que estava com câncer precisei entrar na justiça para conseguir realizar a quimioterapia, pois o Sistema Único de Saúde (SUS) não funciona como deveria, depois do diagnostico esperei mais de 70 dias para  iniciar o tratamento convencional, nesse tempo assistia meu tumor crescer  exponencialmente e desesperada busquei qualquer terapia alternativa que eu pudesse alcançar, fiz uso de varias plantas ditas anti cancerígenas  como aveloz e janaúba até que cheguei na maconha, li muito sobre o CBD para morte celular e ação anti-tumoral, me enfiei em muitos grupos e falei com muita gente no movimento canabico buscando ajuda, ninguém tinha colheita, ninguém tinha óleo para doar, um pesquisador sugeriu que eu aumentasse a dose de maconha fumada pois haviam estudos que o THC também poderia agir de forma a inibir o crescimento dessas células malignas.
O tratamento quimioterápico começou e as reações logo vieram em especial, falta de apetite, mas eu não podia perder peso, nem deixar de me nutrir, a maconha me tornava faminta então percebi que também me ajudava a dormir, depois tive náuseas e a bendita planta me ajudou novamente, além disso os remédios causam transtornos hormonais que me deixavam muito agressiva e ansiosa, a maconha entrava ai também e eu ficava calma, em paz e com uma imensa sensação de tranqüilidade e relaxamento.

Meu baseado causa alivio psicológico da loucura que é ter uma doença que matou no Brasil em 2013 cerca de 12 mil mulheres. Isso é recreativo ou medicinal?
Eu já fazia uso antes da doença e penso que sempre usarei maconha pelo simples fato dela me fazer rir . (sem prejudicar absolutamente ninguém!)
Se eu pudesse cultivar, poderia escolher uma espécie mais adequada para me servir como medicina, poderia organizar meu calendário de acordo com a necessidade de quantidade.

Apesar da sociedade moderna ter se distanciado da autonomia de cultivo de alimentos e ervas, sou do grupo da permacultura que tem essa lógica de cultivo próprio e coletivo e religação com a terra. Comunidades tradicionais como quilombolas, indígenas, caiçaras, que ainda mantém relação de plantio poderiam apenas exercer o que já fazem.

Cultivar significa democratizar o acesso. Quero ter o direito de ser jardineira e poder misturar juntos de meu manjericão e hortelã a minha maconha. Não quero mais a policia apontando arma na minha direção como em uma das marchas que fui. A planta aumenta minha expectativa de vida enquanto o Estado me limita.

7) Essa é sua oportunidade de falar diretamente com a galera que te elegeu, deixa seu recado:
Eu nem sei como agradecer as  mais de 5 mil pessoas que me elegeram, fizeram campanhas e se movimentaram incrivelmente para que fosse eu a Miss Maconha do Hempadão, eu fiquei muito emocionada e foi um presente  grande num período muitíssimo difícil do tratamento. Peço desculpas por centenas de expectativas de que eu seria fundamental e forte nesse debate e na real sou só mais uma, igual e perdida na massa dos que querem uma regulamentação e não sabem como agir.

Eu fico impressionada com a quantidade de maconheiros no Brasil, no meu trabalho, na faculdade,  na minha rua, quem são essas pessoas? Tem cor? Sexo? Religião? Classe social? Estão por todos os lados e são muitos. Então convoco esse povo que sabe da importância da maconha, seja usuário frequente ou aquele que raramente dá um pega,  seja pelo CDB,  THC ou qualquer outro componente de seu interesse, se você jamais usou mas apóia a liberdade, um curioso ou um expert… junte-se ao movimento, compareça a Marcha da Maconha na sua cidade, fortaleça… sempre.