Em reuniões da ONU nos EUA, Viva Rio fala em flexibilização das drogas

O problema mundial da droga é tema de reuniões da Organização das Nações Unidas (ONU) emNova York, nos Estados Unidos, desde terça-feira (19). Diretor executivo da ONG Viva Rio, Rubem César Fernandes conversou com o G1 sobre a Sessão Especial Geral das Nações Unidas (UNGASS, em inglês), que termina nesta quinta-feira (21), e da qual é um dos participantes.

Fonte: G1

Outros representantes da cidade são o vice-prefeito Adilson Pires e o subsecretário de Desenvolvimento Social, Rodrigo Abel. Durante a entrevista feita por e-mail, Fernandes fez críticas à manutenção da política de “guerra às drogas” e à condução da conferência que “terminou antes de começar” com um texto previamente proposto e, segundo ele, votado rapidamente. Ainda assim, ele vê uma evolução na discussão entre os países.

Fernandes diz que a ONG assinou uma carta endereçada ao presidente americano Barack Obama apelando por uma posição mais efetiva no debate internacional.

Confira a entrevista abaixo:

G1: Que posição o senhor espera do Brasil na Sessão Especial da Assembleia Geral (Ungass) e quais devem ser as diferenças de postura do país em relação à sessão de 1998?

Rubem César Fernandes: Em 1998, prevalecia a visão triunfalista de que “um mundo sem drogas é possível” e prometia -se reduzir drasticamente a produção e o consumo de substâncias psicotrópicas no mundo no curto prazo de uma década. A “guerra às drogas” anunciada por Nixon em 1971 definia ainda o rumo do pensamento. O Brasil seguiu esta orientação em 98, assim como a vasta maioria dos países, sob a liderança dos EEUU. Isto agora acabou. A proibição legal continua, mas os diplomatas reunidos em Nova Iorque já não parecem acreditar na carta que assinam. O Consenso não tem vigor. Reafirma as Convenções anteriores, mas o texto é vacilante, permeado de pequenas concessões à variedade de opiniões subjacentes.  Reflete um processo de mudanças que embora parciais, repercutem mundo à fora, sobretudo na América do Norte, na Europa e na América Latina. Um detalhe é revelador do (des) ânimo que caracteriza a UNGASS 2016: o documento de consenso chegou a Nova Iorque já escrito, tim tim por tim tim, a partir de negociações feitas com pouca visibilidade em Viena. Mal iniciada a Conferência esta manhã, o texto foi proposto para votação e rapidamente aprovado, por unanimidade. A rigor, o trabalho da Conferência terminou antes de começar.

A representação brasileira apoia as tendências de mudança. Fala em “flexibilizar” as convenções existentes, afirma a importância de políticas de cuidado e de saúde em relação aos que sofrem com o consumo excessivo de drogas, realça o respeito “aos direitos humanos” dos usuários, utiliza a expressão “redução de danos” (que não foi ainda admitida no documento oficial), chama atenção para certos aspectos específicos, como a repressão preconceituosa em relação a negros e a mulheres. Diria, em suma, que a nossa diplomacia assume uma postura moderadamente progressista no debate contemporâneo sobre drogas.

Qual o simbolismo de uma reunião como esta nos Estados Unidos, país onde surgiu a expressão “guerra às drogas” e também onde alguns Estados já reverteram a decisão, aprovando o consumo de maconha?

Acontece que tivemos hoje uma votação bem quente das primárias presidenciais em Nova Iorque. Era disso que se falava. Não vi nenhuma notícia sobre a UNGASS nos noticiários da TV. Na verdade, as opiniões sobre drogas nos Estados Unidos avançam por novos caminhos bem mais rápido que o plenário das Nações Unidas. A propósito, o Viva Rio assinou uma carta endereçada ao Presidente Obama por um grande número de organizações da sociedade civil internacional apelando ao Presidente Obama para que os EEUU assumam uma posição mais efetiva no debate internacional.

Recentemente, policiais militares da alta cúpula e até o Secretario de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, trouxeram à tona a discussão sobre a regulação da droga. O tema é defendido também, por exemplo, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.O principal entrave para a legalização no Brasil, hoje, é político?

O posicionamento dos policiais, militares e civis, é da maior importância neste assunto. Eles e suas famílias sofrem muito com a política de guerra às drogas. Eles melhor do que ninguém podem dar testemunho do mal que esta política faz à segurança pública. É uma política que, no fundo, só beneficia ao crime organizado. Precisamos sim dos policiais como formadores de opinião, pois o maior entrave neste assunto está ainda na cabeça das pessoas, que associam drogas e violência. Precisamos separar esses assuntos – deixar a dependência de drogas com a saúde, para que a polícia possa se concentrar no controle dos poderes paralelos.

A ascensão conservadora no Congresso pode ser considerada um impeditivo para discussões mais profundas sobre este tema no Brasil?

Aqui também, temos dificuldades de entendimento. Uma pessoa conservadora que sofre na família uma situação de vício com o álcool ou outras drogas, pode muito bem procurar um cuidado mais humano. Conheço religiosos que defendem a descriminalização das drogas, para que possam se dedicar melhor à assistência dos que sofrem com elas.

Países como o Uruguai e Portugal, que regularizaram a venda de maconha, podem ser considerado exemplos mesmo sendo muito diferentes do Brasil em relação a dimensões e desenvolvimento?
Portugal descriminalizou todas as drogas e não entrou no caminho da legalização, enquanto o Uruguai optou pela regulação da venda e do consumo apenas da maconha. São soluções diferentes que nos provocam a pensar o Brasil. Considerando nosso tamanho e nossa diversidade cultural, sou mais favorável à alternativa portuguesa.

Os cariocas são vítimas constantes da guerra do tráfico, sobretudo aqueles que vivem em áreas deflagradas. A regulação da droga, na sua opinião, poderia mudar este cenário?
Acho que sim. O negócio das drogas tem características que facilitam a disseminação da criminalidade.