Descriminalização da Maconha nos EUA: posição como droga de pobre permanece

Por mais de 500 anos, a droga tem sido associada ao racismo e pobreza.

Massachusetts acaba de abrir (na data de escrita do artigo) seu primeiro dispensário de maconha, com muitos aplaudindo a ação. E, conforme mais e mais estados descriminalizam a droga, enquetes mostram que a maiorida dos estadunidenses crê que os custos da proibição da maconha surpassam os benefícios.

Certamente, há benefícios sociais para a legalização. Para mencionar um, menos prisões relacionadas à maconha deverão diminuir a velocidade dos gastos com a guerra às drogas, que tem sido astronomicamente cara e sem-sucesso.

Também, menos prisões devem beneficiar comunidades de minorias que sofrem aplicação das leis enviesada por questões raciais. Os negros, por exemplo, enfrentam quase quatro vezes a taxa de prisões sobre maconha em relação aos brancos, apesar de serem similares as taxas de uso de maconha e uso geral de drogas entre estes dois grupos raciais.

Porém, mesmo após a descriminalização em alguns estados, disparidades raciais nas taxas de prisão persistiram, apesar do número total de prisões ter caído.

De fato, a descriminalização não muda as condições sociais que sustentam tanto o uso da maconha quanto às respostas racialmente enviesadas a isto. E a descriminalização não aborda as ligações problemáticas entre maconha, raça e classe, que apresentam problemas muito mais profundos que a proibição.

Uma droga dos oprimidos

A Cannabis – a planta da maconha – tem uma longa história como uma droga usada primariamente pelas classes sociais mais baixas.

Indo todo o caminho de volta aos anos 1500, a vasta maioria dos usuários de maconha têm ocupado as margens socioeconômicas: escravos, trabalhadores pesados, profissionais do sexo, prisioneiros, e soldados e marinheiros de rank baixo. Estas pessoas usaram maconha para conseguir lidar com as terríveis condições a que tiveram de se submeter.

A origem da palavra “marijuana” prenunciou seu uso atual. Historicamente, os primeiros e mais numerosos grupos de usuários nas Américas foram escravos da África Central ocidental (atuais Gabão e Angola). Suas palavras para “maconha” são agora usadas praticamente em todos os lugares em que eles (involuntariamente) foram parar durante os anos 1700 e 1800, o que inclui a África do Oeste, o Caribe e a América do Sul. Mais notavelmente, na América Central, a palavra kimbundu (angolana) mariamba tornou-se a palavra espanhola marihuana.

O vocabulário dos escravos sobreviveu devido às pessoas de todas as origens que valorizaram a habilidade da planta em ajudá-las a conseguir lidar com as vidas cotidianas caracterizadas por trabalho pesado, exploração e trauma. A mariamba tinha a mesma mistura de usos medicinais e recreativos que ela tem hoje.

Enquanto isto, a marihuana tornou-se popular na América Central não por causa de grandes populações de escravos da África Central, mas por conta de prisioneiros e recrutas das forças armadas que estavam ansiosos para poder usá-la.

De fato, a mariamba foi apenas superficialmente africana. Ela pertenceu, ao invés, ao comércio transatlântico de escravos, uma instituição econômica que ligava os 5 continentes. Na Angola da década de 1840 (mesmo com o comércio de escravos em declínio), a maconha era valorizada primariamente por “dar suporte à força e condição dos escravos”. Escravos da África Central estavam fumando maconha pelo final dos anos 1700, e introduziram a planta para muitas localidades ao transportar suas sementes.

A maconha serviu, em última análise, às necessidades dos explorados; ela não foi intrinsicamente africana. Mas, por os escravos da África Central terem sido, em muitos lugares, os primeiros a introduzir a planta-droga, sua cultura canábica dominou amplamente.

Importantemente, poucos centro-africanos foram parar nos EUA, e aqueles que chegaram não introduziram a droga maconha, nem o uso da droga maconha. A maconha entrou nos EUA apenas depois de 1900, por conta de recrutas das forças armadas e trabalhadores imigrantes valorizarem-na, não por os escravos terem trazido-a. (Colonizadores europeus plantaram maconha desde os anos 1500, mas o tipo europeu da cannabis não produz química alteradora da mente.)

Uso de maconha não é um problema racial; é um problema de classe

Classe social e raça têm estado entrelaçadas por séculos. E, devido à escravidão, racismo e segregação confinaram as pessoas de cor às camadas mais baixas da sociedade, ligando o uso de cannabis (incorretamente e estereotipicamente) à raça por séculos.

Sim, a proibição da maconha começou com evidentes sentidos raciais, refletindo as visões da sociedade estadunidense da década de 1930.

Mas mesmo um livro didático de 2005 usou raça para descrever a introdução da droga para os Estados Unidos:

A maconha tem sido cultivada […] por muito tempo, mas isto não levou a uma percepção de seu potencial psico-ativo, ao menos não na população branca. […] Escravos negros, porém, sabiam disto desde a África.

Basear-se na raça para explicar o uso de drogas encobre os contextos sociais que encorajam o uso de drogas. E as pessoas que primeiro usaram maconha nos EUA – o que incluía todas as raças: negros, brancos ou qualquer outra – eram aquelas confinadas às margens socioeconômicas.

Apesar da popularidade periódica nas classes média e mais altas desde a década de 1960, a maconha mantêm-se primariamente uma droga usada por pessoas nas margens da sociedade. A maconha “médica” serve às pessoas cujas necessidades de cuidados de saúde não são atendidas por instituições convencionais. Uso “recreativo” é mais frequente entre pessoas jovens, pobres e desempregadas. Seja etiquetada como remédio ou recreação, a maconha tem, há séculos, tido apelo a pessoas tendo de lidar com stress físico ou mental (mesmo se estas dificuldades puderem ser envoltas em boas vibrações e risos).

Com as taxas de uso legal e ilegal de drogas nos EUA – especialmente maconha – mais altas do quê na maioria dos países, é importante para as pessoas questionarem e desafiarem as condições que ajudam a perpetuar essa dependência, e não apenas desafiar a legalidade de uma opção de droga.

Descriminalização pode derrotar problemas de proibição existentes há décadas. Mas dificilmente isto reconhece o racismo e elitismo existentes há séculos, e que tem ajudado a sutentar o uso de maconha, e as respostas enviesadas a isto.

O que pode ser feito? A sociedade deveria explicitamente ligar as causas do uso de maconha às consequências da descriminalização. Mercados descriminalizados de maconha geram fontes de impostos. Algum deste dinheiro deveria ser gasto para desafiar o racismo institucional, ao prover serviços de saúde mental e física em vizinhanças mais pobres ou treinar a polícia para evitar viés racial.

A maconha está juntando-se ao álcool, tabaco e várias drogas prescritas como meios legais de pessoas conseguirem lidar com as difíceis realidades da vida diária. Justamente agora, a sociedade tem uma breve oportunidade de tocar significativamente nos problemas sociais que a maconha representa, e não deveria deixar esta oportunidade escapulir.

Autor: Chris S Duvall, Professor Associado de Geografia, Universidade do Novo México.

Publicado originalmente no The Conversation em 30 de junho de 2015. Leia o artigo original. %22The Conversation%22 logo The Conversation

Tradução por Anders Bateva.