Conservadorismo religioso: o maior inimigo da legalização no Brasil

por Thales Henrique Coelho

“Os países que adotaram essa política (da legalização) retrocederam. A Holanda, por exemplo, teve empresas que foram fechadas porque seus funcionários estavam usando drogas. Como a Fokker, por exemplo, e os aviões começaram a ter problemas. Inclusive no Brasil.”

A declaração acima foi feita pelo senador e bispo da Igreja Universal Marcelo Crivella, candidato do PRB ao governo do Rio, durante o debate realizado pela Band na última terça-feira. Na hora a frase despertou risadas, tanto na plateia do debate quanto nas redes sociais, e o senador virou rapidamente motivo de chacota. Mas, infelizmente, esse é um fato mais pra chorar que pra rir.

Crivella é senador e um dos principais nomes da IURD, a maior igreja evangélica do Brasil, que recentemente inaugurou o tal Templo de Salomão, uma catedral gigantesca, com capacidade para 20 mil pessoas, em SP. O que ele falou reflete perfeitamente o discurso de quase todos os pastores que falam sobre a questão Brasil afora: muito preconceito, pouca informação.

Discursos como o dele são repetidos diariamente em milhões de igrejas e cultos transmitidos na TV. Milhares de Felicianos estão aí, lutando ‘a favor da família’, pregando a ‘cura gay’ e outras baboseiras sem parar, e, pior, conquistando votos!

O maior entrave para a legalização da maconha e outras políticas progressistas no Brasil hoje é, sem dúvida, o avanço conservador representado pelas igrejas e seus braços políticos. Isso porque, além da força própria, de seus deputados-pastores, eles conseguem sequestrar os partidos mais progressistas, impondo suas pautas em prol de alianças. Basta ver o que o PT fez recentemente, ignorando o movimento LGBT do próprio partido para não irritar os ‘companheiros’ evangélicos.

Não me interpretem mal: não sou contra a religião, de forma alguma. Sou contra os valores de determinadas religiões pautarem políticas públicas que abrangem todos os brasileiros. Sou contra pessoas que não têm a menor qualificação falarem para milhares sobre temas complexos como a Legalização baseados apenas em preconceitos e no senso comum, como se especialistas fossem. 

Outro dia, zapeando por aí, me deparei com um pastor discursando para milhares de pessoas sobre a ineficácia de tratamentos contra as drogas que não envolvam a religião. Segundo ele, se não tem Jesus, a pessoa não se recupera. Conheço bastante gente que discorda…

O poder que figuras como Crivella e Feliciano têm não é desprezível. É gigante. Os evangélicos no congresso são hoje capazes de barrar praticamente qualquer projeto de lei que seja contra seus ‘princípios’ (essa bancada, aliás, responde a dezenas de processos). Eles já se mobilizam, por exemplo, contra o projeto do novo Código Penal, que vai mudar a abordagem sobre drogas e aborto.

Além da atuação no parlamento, eles têm redes gigantescas que conseguem, ainda, formar a opinião de milhões de brasileiros com base em retórica e poucos argumentos. É assustador.

O que fazer?

Infelizmente, a resposta não é fácil. Mas, como muitos dizem, essa é uma luta pedagógica, que deve ser travada por nós diariamente, com serenidade. Xingar os evangélicos ou desqualificar seus argumentos só porque foram proferidos por um pastor não é o caminho.

A besteira que Crivella falou, por exemplo, tem base em um argumento falho amplamente utilizado pelos conservadores: os países que legalizaram estariam retrocedendo em suas políticas. Para isso, usam apenas o exemplo da Holanda, onde a direita tomou o poder e TENTOU retroceder, mas não conseguiu. Enquanto isso avançam, mais que a Holanda inclusive, países como Portugal, Espanha, Uruguai e até os Estados Unidos, pra citar poucos exemplos. Este, portanto, é fácil de rebater, assim como a maioria dos ‘argumentos’ deles.

Discutir com calma e argumentos de verdade é um caminho importante. Por outro lado, só com cada vez mais educação de qualidade e informação as pessoas vão, paulatinamente, parar de acreditar cegamente no que um pastor ou qualquer um diz. Pra isso, a luta é muito mais coletiva e de longo prazo – mas não podemos desistir!

PS: Com meus textos muito focados em política, muita gente tem pedido para fazermos uma lista de candidatos ‘legalize’ pelo Brasil. A goodlist está sendo feita colaborativamente: contribua mandando nomes de seu estado! Aqui no Rio, não temos dúvidas: André Barros 50420 pra deputado estadual e Renato Cinco 5055 federal!!