Cânhamo se destaca como primo sóbrio da maconha

Fonte: Exame.com

Londres – Mike Fata imagina que o cânhamo possa ser o alimento perfeito – se as pessoas pudessem parar de rir dissimuladamente.

Fata, de 37 anos, é um dos fundadores da Manitoba Harvest e tem trabalhado durante os últimos dez anos para que o primo sóbrio da maconha deixe de ser alvo de piadas e passe a ser um alimento básico dos supermercados.

 

O esforço está dando frutos. A Costco Wholesale Corp., a Safeway Inc. e a Whole Foods Market Inc. agora vendem seus produtos e o cânhamo está prestes a abrir caminho, graças ao relaxamento das proibições do cultivo e ao apetite da indústria de alimentos por plantas nutritivas.

Até mesmo o estigma de maconheiro está recuando lentamente à medida que o cânhamo é reconhecido por sua capacidade de oferecer proteína em vez de psicoativos.

“Nossos clientes são inteligentes o suficiente para saber que não há um pingo de maconha nele se a Costco está vendendo o produto”, diz

Jim Taylor, sócio fundador da Avrio Capital, empresa de capital de risco com sede em Calgary e uma das financiadoras da Manitoba Harvest. “É mais do que um modismo. Acreditamos que podemos construir uma marca aqui”.

O cânhamo não é uma droga. É uma variedade da planta de cânabis com menos de 0,5 por cento do composto alucinógeno tetraidrocanabinol (THC).

Neste ano, o governo dos EUA finalmente reconheceu a diferença entre o cânhamo e seu primo mais infame, embora uma proibição federal do cultivo comercial continue vigente.

Salada salpicada

O cânhamo faz parte da história dos EUA. George Washington cultivava-o e as primeiras bandeiras do país foram feitas com ele. É de digestão fácil e tem mais proteínas do que a chia ou a linhaça.

É também um alimento versátil: corações de cânhamo – o macio miolo interno da semente, com sabor a nozes – podem ser salpicados em cereais, iogurtes ou saladas, ou processados para se tornarem pó, farinha ou óleo, que servem para fazer coisas como pão e cerveja.

O cânhamo é mais caro do que o grão-de-bico, mas fornece uma proteína mais completa, com todos os nove aminoácidos que o corpo humano não pode produzir.

O ressurgimento do cânhamo aparece em meio a uma mudança mais ampla no clima, nas safras e nas preferências dos consumidores.

Outras plantas ricas em proteínas – como a ervilha e a quinoa – estão passando por booms nas vendas, o aquecimento global está afetando o mapa de cultivos da Argentina ao Canadá e as preocupações com o meio ambiente atiçam a demanda por produtos locais.

Em meio a este cenário, a oposição ao cânhamo está diminuindo. Catorze estados americanos removeram barreiras para seu cultivo, e o projeto de lei de cultivo aprovado pelo Congresso em fevereiro permitirá o cultivo de cânhamo para pesquisa nesses estados.

As restrições têm sido relaxadas e até a maconha tem ganhado aceitação.

Além disso, tanto democratas quanto republicanos apoiam o impulso econômico que o cânhamo poderia fornecer a indústrias como a têxtil e a construção de moradias.

Vendas triplicadas

As vendas triplicaram para mais de US$ 50 milhões nos últimos 24 meses. Os preços oscilam entre US$ 1,50 por um sachê de 25,5 gramas e US$ 75 por uma bolsa de 2,25 kg de corações orgânicos certificados.

Em uma reunião recente da indústria na Califórnia, Fata apresentou sua última criação: “Snaxs” de coração de cânhamo feitos de xarope de arroz integral e açúcar mascavo orgânico. Ele calcula que as vendas possam atingir US$ 500 milhões durante a próxima década.

Contudo, é difícil se livrar do estigma. No ano passado, a Força Aérea Americana ordenou que seus pilotos mantenham distância de uma variedade do iogurte grego da Chobani Inc. que vinha com um pacotinho de sementes de cânhamo para colocar no pote.

A Força Aérea disse que o produto poderia conter THC suficiente para ser detectado por seu programa de teste de drogas. Desde então, a Chobani substituiu o cânhamo por outras sementes, conforme um porta-voz.

O fato de algumas empresas de cânhamo celebrarem estereótipos de maconheiros também não ajuda: até há uma marca de gim e vodca de cânhamo chamada “Mary Jane’s”.

Para que o cânhamo se torne um mercado de bilhões de dólares, como predizem seus financiadores, mais empresas grandes têm que se somar à iniciativa. O persistente estigma, diz Fata, não deveria impedir que os grandes fabricantes percebam seu potencial.

“Eles perderam o boom do iogurte grego”, diz Fata. “Eles não querem perder isto”.