A história do LSD e seu Criador! [Portas da Percepção #411]

O suíço Albert Hofmann [1906-2008] formou-se em química na Universidade de Zurique, aos 23 anos de idade. Hofmann (1996) relata que foi uma escolha difícil e que já havia realizado um exame de latim e que uma carreira nas ciências humanas parecia destacar-se em primeiro plano. Além disso, era tentadora a carreira artística. No final, entretanto:

[…] era um problema de conhecimento teórico que me induziu a carreira da química, que foi uma grande surpresa para todos que me conheciam.

por Fernando Beserra

Experiências místicas na infância, nas quais a Natureza era alterada de forma mágica, tinham provocado questões concernentes à natureza do mundo externo material, e a química era o campo científico que poderia me fornecer insights sobre isso (HOFMANN, 1996, s/p).

Hofmann foi trabalhar no laboratório da Sandoz na Basileia, fundado em 1886 por Edouard Sandoz. Iniciou a trabalhar em 1929, isto é, logo após formado e foi motivado ao trabalho na Sandoz pela presença do professor Arthur Stoll, que era o diretor de um laboratório em um programa de pesquisa que visava isolar e purificar os princípios ativos de plantas medicinais e sua modificação química (HOFMANN, 1996).

Em 1938, Hofmann investigava as propriedades químicas e farmacológicas do fungo do ergot, nos laboratórios Sandoz. Neste momento, o químico buscava um composto analéptico, isto é, um estimulante circulatório. Em sua investigação, descobriu o vigésimo quinto de uma série de derivados do ergot: o famoso tartarato de dietilamida de ácido d-lisérgico ou LSD-25. Os estudos animais com o LSD não demonstravam interesse e as pesquisas com o LSD foram abandonadas (LEE; SCHLAIN, 1985; HOFMANN, 1996).

A ideia de sintetizar o LSD proveio subitamente e o interesse que a motivou foi o de sintetizar um componente análogo ao estimulante circulatório Coramin. Quimicamente o Coramin é dietilamida de ácido nicotínico e a similaridade destes dois compostos levou a expectativa de propriedades farmacológicas análogas (HOFMANN, 1996).

No ergot, fungo também conhecido como Claviceps purpurea, Hofmann estudava a ergotina, que contém como princípio ativo o ácido lisérgico, uma substância muito instável (RODRIGUES, 2014). O próprio ergot podia matar ou mutilar e, em doses corretas, ser um importante medicamento. Foi o mesmo ergot, que parasitava o centeio, que produziu uma doença denominada ergotismo ou fogo de Santo Antão na Europa. Em 1907 os investigadores ingleses Barger e Carr haviam isolado uma preparação alcaloide que denominaram ergotoxina, que apresentava as propriedades tóxicas do ergot (OTT, 2004). Em 1935 tornou-se conhecido outro alcaloide do esporão do centeio (ergot), que se determinou ergonovina. A síntese da ergonovina, que possui propriedades uterotonicas, foi realizada por Albert Hofmann em 1937 e teve importantes implicações médicas.

A cravagem de centeio, conforme explicita Rodrigues (2014), produz contrações uterinas: “e o risco de sua utilização como auxiliar no trabalho de parto foi assumido durante séculos no Oriente Médio: a ergotina, usada no momento ou de modo incorreto, podia chegar a matar a criança, a mãe ou ambas; mas, na quantidade e momento oportunos, ‘era um verdadeiro benefício para a gestante’”.

No dia 16 de abril de 1943, acidentalmente, Hofmann entrou em contato com o LSD e sentiu diversas alterações cognitivas e senso-perceptivas, mas não sabia o que havia originado aquele estado. Afetado por uma inquietude e leve vertigem, Hofmann foi para sua casa e experimentou uma não desagradável embriaguez e a imaginação extremamente estimulada (HOFMANN, s/d). Após analisar a situação na busca do agente causador daquela experiência impressionante, ele buscou utilizar vapores de dissolventes – sem resultados – e finalmente pensou em testar o LSD-25. Cauteloso, resolveu utilizar uma dose absolutamente pequena desta substância: utilizou uma dose de 250ug (HOFMANN, s/d), equivalente a 170 microgramas (ug) de LSD base (OTT, 2004), no dia 19 de abril de 1943. Esta dose foi utilizada às 4:20 horas (RODRIGUES, 2014; HOFMANN, s/d). Às 5 horas (17h) já haviam iniciado os efeitos psicoativos do LSD e tornou-se obvio que esta substância era a causa daquela experiência (OTT, 2004). Sintomas de distorção visual, tontura, paralisia, ansiedade e vontade de rir já eram expressos, que conduziriam a uma grande viagem pelas profundidades da alma. Hofmann foi para sua residência de bicicleta, em conjunto com o seu ajudante de laboratório, enquanto sentia toda a intensidade dos efeitos do LSD. Tudo em sua visão vacilava e parecia distorcido em uma espécie de visão em espelho curvo. Hofmann sentia-se incapaz de se mover, embora seu assistente depois tenha dito que eles iam bem rápido (HOFMANN, s/d). Este tornou-se o famoso dia da bicicleta! Já na residência do Albert, seu auxiliar chamou um médico, enquanto Hofmann se aventurava em uma intensa viagem mental. O médico não encontrou nenhum sintoma anormal, exceto a importante dilatação das pupilas, denominada midríase. O médico apenas acompanhou o químico ao lado de sua cama.

O pioneiro na publicação dos efeitos psicoativos foi o psiquiatra suíço W. A. Stoll, filho do professor Artur Stoll, em uma publicação de 1947. É importante sinalizar que Hofmann passou a defender as aplicações do LSD na neurologia, farmacologia e especialmente na psiquiatria. Psiquiatras e psicólogos, de fato, realizaram um grande número de pesquisas e psicoterapias com LSD, em especial nas décadas de 50 e 60. Hoje, felizmente, estes estudos retornaram, após quase 40 anos de paralisação.

Atualmente não escapa ao conhecimento dos psiconautas, que o LSD e outros psicodélicos foram utilizados em projetos secretos de governos com fins de realizar guerras químicas. Nos EUA o mais famoso projeto foi o MK Ultra, coordenador por Sidney Gottlieb (LEE; SCHLAIN, 1985) e iniciado suas atividades de abril de 1953. Merece um post detalhado futuramente.

Uma cena que mudaria o cenário para formação da cultura psicodélica ocorreu em maio de 1953, quando o psiquiatra Humprhy Osmond ministrou mescalina para Aldous Huxley. Huxley, famoso literato, já havia escrito Admirável Mundo Novo (Brave New World) em 1931 e Osmond ficou preocupado, na época, acerca do risco de ser conhecido como o psiquiatra que deixou Aldous Huxley louco (LEE; SCHLAIN, 1985). O resultado foi bastante distinto deste receio; a mescalina catalisou uma profunda experiência espiritual em Huxley, que a narrou no livro Portas da Percepção (Doors of Perception), título que retirou de uma passagem do livro “Matrimônio do Céu e do Inferno” do místico William Blake. Blake (DATA, p.) escreveu: “se as portas da percepção fossem abertas, as coisas seriam tais como são: infinitas”. Em conjunto com Osmond, foi Alfred Maatthew Hubbard [1901-1982], o Al Hubbard, quem ministrou a primeira dose de LSD a Aldous Huxley em 1955, mesmo ano que Huxley havia consumido sua segunda dose de mescalina (LEE; SCHLAIN, 1985). Hubbard foi, de acordo com Lee e Schlain (1985), quem originalmente sugeriu que a experiência mística induzida pelo LSD poderia conduzir a enormes potenciais terapêuticos. Também ficou como conhecido como Johnny Appleseed. Uma figura ímpar, o capitão Al chegou a trabalhar para a OSS e para o governo dos EUA; apesar disso, tinha uma profunda convicção acerca dos potenciais transformadores do LSD. Acreditava ter uma grande missão e deu LSD-25 para milhares de pessoas sem nenhum objetivo financeiro. Hubbard foi quem transformou a visão psicotomimética (crença de que os psicodélicos promovem uma imitação da psicose) do H. Osmond e, neste sentido, foi fundamental para os desenvolvimentos terapêuticos do uso dos psicodélicos (LEE; SCHLAIN, 1985).

Apesar do sucesso e da segurança deste tipo de utilização do LSD, o mesmo foi banido nos anos 70, apenas com algumas exceções como o uso psicoterapêutico por Hanscarl Leuner na G´ottingen University na Alemanha e por um limitado número de psicoterapeutas na suíça entre 1988 e 1993. Ao abordar o movimento psicodélico, Passie e outros (2008) expressaram que no final dos anos 60 do século passado o LSD começou a ser utilizado com finalidades espirituais e recreacionais.

O LSD, embora ainda haja muito a ser conhecido sobre seu efeito em diversos níveis biopsicossociais, é fisiologicamente bem tolerado e não há evidencias de efeitos de longa duração no cérebro ou em outras partes do organismo humano (PASSIE, 2008).

Do ponto de vista farmacocinético, o LSD é administrado, de maneira geral, via oral em papéis – blotters – ou em gotas. São metabolizados por enzimas no fígado em metabolitos estruturalmente semelhantes ao LSD. Sua meia-vida de eliminação é de 3,6 horas e seus metabólitos são detectados na urina por até 4 dias após sua ingestão.

“A meia-vida de eliminação do LSD é de 3,6 horas. LSD e seus metabólitos são reportados como sendo detectados na urina por até 4 dias após a ingestão. Usando o teste de screening Radio Imuno Ensaio (RIA) (Cut-off em 0.1ng/mL) o limite de detecção para 100ug de LSD p.o. é usualmente próximo a 30 horas. Cada dobro da quantidade inicial utilizada vai aumentar aproximadamente 5 horas. LSD ou seus metabolitos de reação cruzada (cross-reactive) foram detectados por períodos de 34-120 horas na concentração de 2-28 ug/L na urina (n = 7,300ug LSD p.o.)”. (PASSIE?, 2008, PÁG)

Referências:

HOFMANN, A. LSD: completely personal. Translated by J. Ott. MAPS. v. 6, nº3, summer 1996. Disponível em: <http://www.maps.org/news-letters/v06n3/06346hof.html>.

HOFMANN, A. LSD: my problem child. The Psychedelic Library. s/d. Disponível em: <http://www.psychedelic-library.org/child1.htm>.

LEE, M. A.; SCHLAIN, B. Acid dreams: the complete social history of LSD: the CIA, the sixties, and beyond. Grove Press, 1985.

OTT, Jonathan. Pharmacotheon: drogas enteogénicas, sus fuentes vegetales y su historia. Madri: La Liebre del Marzo. 2004.

PASSIE, T. The Pharmacological of Lysergic Acid Diethylamide: a review. CNS Neuroscience & Therapeutics, 2008. Disponível em: <http://www.maps.org/research-archive/w3pb/2008/2008_Passie_23067_1.pdf>.

RODRIGUES, S. E. Albert Hofmann e o dia da bicicleta. Ritmo e Subjetividade. 2014. Disponível em: <http://ritmoesubjetividade.blogspot.com.br/2014/04/o-dia-da-bicicleta-e-psicodelia_19.html>.

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